terça-feira, 21 de abril de 2009

QUE PAPO É ESSE?

do livro (a publicar) "que papo é esse" de Maurílio Eugênio.

(Página 85)



O termo “maluco” e seus derivados, “maluquês”, “malucada”..., não foi Raul (Seixas) quem inventou; ele, certamente, o adotou e usou apropriadamente em sua canção Maluco Beleza; ele próprio um maluco na aparência, em sua arte, nas declarações públicas, no raciocínio ideológico, no sentido de contestar os valores falidos, fodidos; de questionar o sagrado e o profano. Foi um dos artistas que mais autenticamente simbolizou o Movimento.

O termo, dizíamos, foi a palavra com que os Ripes brasileiros se codinominaram entre si, e se disseminou no meio deles, passando a auto intitular-se “malucos”.

Os outros é que os chamavam de Ripes. Não eles a si próprios, tampouco uns aos outros. Agora, como o Nordeste é por demais rico de cultura popular, pitoresco, em muitas cidades do interior, notadamente as do Ceará, Piauí e Maranhão, os Ripes tinham a denominação de “andarinos”, a qual, suponhamos, é uma derivação de “andarilho”, terminologia esta, fartamente mencionada no cancioneiro dos poetas e romanceiros, tanto na literatura escrita quanto na oral, em todas as épocas.

Andarilhos eram os próprios apóstolos de Jesus.



Pois bem, falávamos sobre o termo “maluco”. Acontece que maluco foi o que eles, “malandramente”, encontraram como forma de amainar um pouco a fúria homicida dos militares sobre os Ripes, em certo período ‘brabo’ [bárbaro, bravo?] da ditadura militar. A barra era tão pesada, a pressão tão esmagadora - eu mesmo fui preso dezoito vezes. Todos os presos políticos (ou quase todos) tiveram suas prisões, perdas materiais, tortura psicológica e física - eu nunca fui torturado fisicamente, é meu dever salientar - reparadas. Todavia, sofri tortura psicológica. Teríamos algum direito?



Como dizia, a rapaziada, se autodenominando ‘malucos’, passava (para os “home”) uma idéia quixotesca/chaplini ana de si próprios..

Assim ficavam, digamos, inferiorizados. Nesta perspectiva, seriam “uns malucos” e fim. E os “milicos” (militares fascistas) se sentiam, pois ‘superiores’, enfim. Então, partiu-se para a “maluquês”. Daí: maluco-beleza. Foi uma ‘antiarma’; uma ‘sacação’ genial, natural, visceral, lúdica.



Mas não os deixaram em paz.

Existiam incontáveis delegados de polícia em cidades do interior e também nas capitais, que queriam ‘mostrar serviço’ aos militares por motivo de promoções e/ou regalias; aí, os Ripes eram ‘prato cheio’, já que era um regime de exceção e os direitos humanos, e a liberdade individual tinham, simplesmente, ido para as “cucuias”. Detinham-nos pelo que é oficializado como ‘vadiagem’. Aí, ficávamos um dia - às vezes alguns dias - em cana. Depois eles viam que não era nada daquilo que pensavam que a gente fosse. Então soltavam-nos, não antes sem alguns conselhos, alguma admoestação. Muitas vezes, ameaças de porrada mesmo.

Comigo não aconteceu, mas muitos camaradas chegaram a apanhar. Tinham as cabeças raspadas. . .

Em algumas cidades do interior eram detidos pela polícia quando portavam drogas, na quase totalidade dos casos, maconha. Porque um verdadeiro Ripe não gostava de cocaína ou outra droga química no sentido de “fissura”; não a comprava, não a procurava. Experimentava- a quando, em alguma oportunidade, ela pintava espontaneamente. Quando alguém, circunstancialmente , em um ambiente, em uma festa, em um evento, a apresentava. Quando ‘pintava’, em suma. A maconha era considerada uma erva natural, uma planta que provocava êxtase e relaxamento; ficava-se mais próximo da natureza; ficava-se em resumo, ao natural.

Talvez o efeito da canábis (ou das drogas “naturais“ em geral), a sua “lombra”, o seu barato, nada mais seja do que uma referência no inconsciente do homem que remonta ao mito do paraíso perdido. De como o homem era, em sua essência, concêntrico, dono de uma alma pura, sem egocentrismo, pois algumas drogas – é cientificamente comprovado - extravasam incursões ao próprio interior, exacerbam a capacidade de amar, intensificam uma espécie de clarividência interior, chegando até mesmo a produzir mirações de espíritos....

É o caso das drogas alucinógenas. Essas tinham uma conotação quase divina. Eram degraus, portas para a espiritualidade, para o transcendental. Usadas em momento especiais e ritualísticos. Muitos são os exemplos acontecidos na estrada com malucos que não estavam devidamente preparados, por exemplo, para o chá do Cogumelo do Boi Zebu, e faziam verdadeiras “bad trips”, ou seja, más viagens, que a gente chamava, em nosso “nordestinês” de “viajem tronxa”, o que era, simplesmente, horrível. O chá e o LSD foram as drogas alucinógenas mais usadas pelos malucos, ambas a possuir o princípio ativo cientificamente chamado psilocybin. A diferença é que o Ácido é químico, o cogumelo, natura.

Veremos ao final destes escritos mais detalhes sobre o assunto.

Eu, particularmente, tive uma experiência fascinante sob o efeito do cogumelo, consumido assim, ao natural, no campo, ocasião em que conversei com um pé de jenipapo (!?!).

Quem conhece um “jenipapeiro” sabe que o mesmo tem o tronco todo manchado e essas manchas têm muitas vezes formas definidas. Pois o pé de jenipapo em questão, o que estava diante de mim durante a “viagem” adquiriu como que um rosto humano e falou comigo.

(. . .) Não, não foi uma alucinação, vocês devem estar pensando (. . .) Está bem, foi uma alucinação, sim. Mas uma alucinação real. Só sei que a árvore me disse coisas que até hoje me servem de lição. E isso há mais de 30 anos. Era a voz do meu inconsciente.

Esse acontecimento estará resenhado em uma seqüência no livro Memórias da Estrada (e Outras Memórias), relato já quase totalmente escrito e que contará minha experiência pessoal como um hippie.

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