domingo, 7 de junho de 2009

"Acho que não existe mais arte", disse Lévi-Strauss em entrevista ao "Mais!"

(http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u471632.shtml

trecho:

FOLHA Em Olhar, Escutar, Ler, o senhor escreveu que há momentos na história da arte em que a qualidade estética diminui quando crescem o saber e a habilidade técnica. É o que acontece hoje?LÉVI-STRAUSS Não. Quando escrevi isso, estava pensando na história da tapeçaria. A mais bela tapeçaria que conhecemos é a dos séculos em que o tapeceiro dispunha de número limitado de cores. Esse número de cores só aumentou nos séculos 18 e 19. Em vez de cem cores, hoje temos 10 mil ou 100 mil. A qualidade se enfraquece. O problema da arte moderna, ao menos nas artes plásticas, não é um enriquecimento dos meios técnicos, mas, ao contrário, um considerável empobrecimento. Isso é verdade para as artes plásticas, mas não para a música, que se torna cada vez mais erudita. Não gosto nem um pouco da música contemporânea, mas reconheço que ela é extremamente erudita.
FOLHA - Para que serve a crítica de arte hoje?LÉVI-STRAUSS - Desde sempre, o papel da crítica foi tanto traduzir, por meios literários, a emoção do espectador diante da obra, quanto tentar compreender justamente as razões e os mecanismos dessa emoção. O problema é que acho que hoje não existe mais arte. Há alguns modos de expressão, que continuamos chamando por nomes tradicionais - pintura, música, literatura -,mas creio que sejam outras coisas. Não são mais as mesmas artes.
FOLHA - O senhor escreveu que a grandeza de Poussin vem em parte do "segundo grau" - é um pintor que pinta de maquetes, por exemplo, e não diretamente da realidade. Não seria exatamente uma exacerbação desse "segundo grau", um esquecimento do real, o problema da arte hoje, com o pós-modernismo, a arte como "segundo grau" de si mesma?LÉVI-STRAUSS Você está misturando duas coisas: o fenômeno da criação de uma forma profunda, como em Poussin e outros; e o fenômeno epidérmico a que você faz referência. A grandeza de Poussin vem do fato de ele ser um gênio, e não de outra coisa. Mas isso não é suficiente para explicar a obra. É preciso saber como funcionam a obra e o gênio. O "segundo grau" permite compreender o modo pelo qual ele trabalha e o tipo de emoção que sentimos diante de seus quadros. Diante de uma tela de Poussin, temos a impressão de estarmos na frente de um pequeno teatro. Essa impressão vem de como o quadro é composto. Mas não basta isso para fazer um grande quadro.
FOLHA - O senhor define a arte moderna não-figurativa como um naufrágio. Por que a questão do realismo e da verossimilhanç a lhe interessa tanto?LÉVI-STRAUSS O mundo é de tal riqueza, e estamos tão longe de esgotar todas essas virtualidades, que me parece ingênuo querer criar fora disso. Quando vejo um quadro não-figurativo, penso que é sempre menos belo que o espetáculo não-figurativo que me oferece a natureza, na forma de um cristal, um jogo de luz etc.
FOLHA - O senhor trata também da representação do sobrenatural em Poussin. Aonde foi parar o sobrenatural na arte contemporânea? O senhor acha que a representação do sobrenatural ainda existe na arte?LÉVI-STRAUSS Quando falei do sobrenatural em Poussin, estava me referindo a suas paisagens. Uma paisagem de Poussin não se parece com as de [pintores impressionistas franceses como] Pisarroou Sisley. É uma paisagem monumental, que é mais bela do que qualquer paisagem real que possamos observar.
FOLHA - Mas o senhor analisa a representação da morte e do sobrenatural em Poussin também, com a imagem do crânio, por exemplo. Hoje, a arte abstrata não poderia ser a representação desse sobrenatural, do invisível, no mundo contemporâneo?LÉVI-STRAUSS - Deixo essa questão aos amantes da arte abstrata.
FOLHA - Por que o senhor despreza a fotografia?LÉVI-STRAUSS - Digamos que isso vem de uma pequena exasperação diante da espécie de veneração da fotografia que vimos aparecer há alguns anos. Fiz milhares de fotografias ao longo de minha vida. Algumas são bastante belas. Mas não se deve exagerar. A mais bela fotografia não existirá jamais diante de um belo quadro. Esse meu desprezo foi mais um movimento de mau humor.
FOLHA - O senhor está trabalhando num livro de fotografia sobre o Brasil.LÉVI-STRAUSS Trabalhando é exagero. Quero selecionar de 3 mil negativos que fiz durante minha estada no Brasil cerca de 200 ou 300 fotos e publicá-las de maneira mais apresentável do que em Tristes Trópicos. São fotos de expedição e muitas da cidade de São Paulo, que não consigo mais situar. [A antropóloga] Manuela Carneiro da Cunha teve a gentileza de me trazer mapas de São Paulo da época para que eu consiga localizar onde as fotos foram feitas. É muito difícil. Temo que essas imagens tenham perdido o interesse. Não consigo dar início ao trabalho. Elas me chateiam.
FOLHA - O senhor acredita que todas as artes podem ser interpretadas pelo estruturalismo, pela linguagem- que toda arte é linguagem?LÉVI-STRAUSS Em todas as artes, há autores e obras que se prestam melhor a uma análise estruturalista e outros que são, digamos,mais rebeldes. Se me pedissem para fazer uma análise estrutural de Em Busca do Tempo Perdido [o romance de Marcel Proust], acho que me veria em maus lençóis. Não digo que seja impossível, mas seria uma tarefa imensa.
FOLHA - Numa entrevista recente a CatherineClément,7 o senhor disse que todos os autores de verdade, em arte, são estruturalistas.LÉVI-STRAUSS Não me lembro de ter dito isso. Creio que uma das formas de interpretar e compreender a criação artística é abordá-la pelo ângulo estruturalista. Mas não me lembro de ter dito que todos os verdadeiros autores são estruturalistas. Você me desculpe eu lhe dizer isto, mas, quando dou uma entrevista, respondo qualquer coisa [risos].

Nenhum comentário: